Curiosidades

Lilith, a primeira mulher de Adão.

certamente você já ouviu o nome de Lilith, seja em um seriado, filme ou em histórias com referências bíblicas. Já falaram que ela é a rainha dos demônios, já falaram que ela foi casada com Adão. Afinal, quem é Lilith? Essa e outras questões é o que vamos responder aqui, e é claro, com uma pesquisa séria, ao contrário de muitos lugares que afirmam muitas coisas sem fontes fiáveis para apoiar suas alegações. Então vamos lá: Segundo o folclore judaico, Lilith foi a primeira esposa de Adão. Embora ela não seja mencionada no Torá (os cinco primeiros livros da bíblia e base da religião judaica), ao longo dos séculos ela se tornou associada a Adão para reconciliar as versões contraditórias da Criação no livro de Gênesis. 

Lilith e a história bíblica da Criação

O livro bíblico de Gênesis contém dois relatos contraditórios da criação da humanidade. O primeiro relato é conhecido como a versão sacerdotal e aparece em Gênesis 1:26-27. Aqui, Deus molda homem e mulher simultaneamente quando o texto diz: “Então Deus criou a humanidade à imagem divina, homem e mulher Deus os criou.”

O segundo relato da Criação é conhecido como a versão Javista e é encontrado em Gênesis 2. Esta é a versão da Criação com a qual a maioria das pessoas está familiarizada. Deus cria Adão e o coloca no Jardim do Éden. Pouco tempo depois, Deus decide dar uma companhia para Adão e cria os animais da terra e do céu para ver se algum deles é um parceiro adequado para o homem. Deus traz cada animal até Adão, que os nomeia antes de decidir que não são um “ajudante adequado”. Deus então faz um sono profundo cair sobre Adão e enquanto o homem dorme, Deus molda Eva de sua costela. Quando Adão acorda, ele reconhece Eva como parte de si mesmo e a aceita como sua companheira.

Não surpreendentemente, os rabinos antigos notaram que duas versões contraditórias da Criação aparecem no livro de Gênesis (que é chamado de Bereshit em hebraico). Eles resolveram a discrepância de duas maneiras:

  • A primeira versão da Criação na verdade se referia à primeira esposa de Adão, uma "primeira Eva". Mas Adão estava descontente com ela, então Deus a substituiu por uma 'segunda Eva' que atendia às necessidades de Adão.
  • A tradição sacerdotal descreve a criação de um andrógino — uma criatura que era tanto macho quanto fêmea (Gênesis Rabá 8:1, Levítico Rabá 14:1). Esta criatura foi então dividida em um homem e uma mulher na tradição Javista. Embora a tradição de duas esposas — duas Evas — apareça desde o início, essa interpretação da linha do tempo da criação não estava associada ao caráter de Lilith até o período medieval, como veremos na próxima seção.

Embora a tradição de duas esposas — duas Evas — apareça desde o início, essa interpretação da linha do tempo da criação não estava associada ao caráter de Lilith até o período medieval, como veremos na próxima seção.

Lilith como a primeira esposa de Adão

Estudiosos não têm certeza de onde o personagem de Lilith vem, embora muitos acreditem que ela foi inspirada por mitos sumérios sobre mulheres vampiras chamadas “Lillu” ou mitos mesopotâmicos sobre súcubos (demônios noturnos femininos) chamados “lilin”. Lilith é mencionada quatro vezes no Talmude (um dos livros básicos da religião judaica, que contém a lei oral, a doutrina, a moral e as tradições dos judeus) Babilônico, mas não foi até o Alfabeto de Ben-Sirá (c. 800s a 900s) —uma coleção anônima de midrashim do período medieval— que o caráter de Lilith foi associado com a primeira versão da Criação. Neste texto medieval, Ben-Sirá nomeia Lilith como a primeira esposa de Adão e apresenta um relato completo de sua história.

De acordo com o Alfabeto de Ben-Sirá, Lilith foi a primeira esposa de Adão, mas o casal brigava o tempo todo. Eles não se acertavam nas questões sexuais porque Adão sempre queria estar por cima, enquanto Lilith também queria uma reviravolta na posição sexual dominante (Lilith foi tipo a primeira feminista). Quando eles não conseguiram entrar em um acordo, Lilith decidiu deixar Adão. Ela pronunciou o nome de Deus e voou pelos céus, deixando Adão sozinho no Jardim do Éden. Deus enviou três anjos atrás dela e ordenou-lhes que a trouxessem de volta para o seu marido à força, caso ela não fosse de boa vontade. Contudo, quando os anjos a encontraram no Mar Vermelho, não conseguiram convencê-la a voltar e não a forçaram a obedecer. Eventualmente, um estranho acordo foi feito, em que Lilith prometeu não prejudicar os recém-nascidos se eles forem protegidos por um amuleto com os nomes dos três anjos escritos nele:

"Os três anjos alcançaram-na no mar [Vermelho]… Eles a agarraram e lhe disseram: “Se você concordar em vir conosco, venha, e se não, nós te afogaremos no mar.” Ela respondeu: “Queridos, eu sei que Deus me criou apenas para afligir bebês com doenças fatais quando eles têm oito dias de idade; Terei permissão para prejudicá-los desde o nascimento até o oitavo dia e não mais; quando é um bebê do sexo masculino; mas quando for um bebê fêmea, eu terei permissão por doze dias.” Os anjos não a deixaram sozinha, até que ela jurasse pelo nome de Deus que onde quer que ela os visse ou os seus nomes em um amuleto, ela não possuiria o bebê [que carregasse o amuleto]. Eles então a deixaram imediatamente. Esta é [a história de] Lilith que aflige bebês com doenças. (Alfabeto de Ben-Sirá, de “Eva e Adão: Leituras Judaicas, Cristãs e Muçulmanas sobre Gênese e Gênero” pg. 204.)"

O Alfabeto de Ben-Sirá parece combinar lendas de demônios femininos com a ideia da "primeira Eva". O que resulta é uma história sobre Lilith, uma esposa assertiva que se rebelou contra Deus e o marido, foi substituída por outra mulher e foi demonizada no folclore judaico como uma perigosa matadora de bebês. 

No século VII, as mulheres recitavam encantamentos contra Lilith para proteger a si e seus bebês durante o parto. Também se tornou prática comum inscrever encantamentos em tigelas e enterrá-las de cabeça para baixo dentro da casa. As pessoas que recorriam a tais superstições achavam que a tigela capturaria Lilith se ela tentasse entrar em sua casa.

Talvez por causa de sua associação com o demoníaco, alguns textos medievais identificam Lilith como a serpente que tentou Eva no Jardim do Éden. De fato, no começo das primeiras décadas de 1200, as obras de arte começaram a retratar a serpente como uma cobra ou réptil com o torso de uma mulher. Talvez o exemplo mais conhecido disso seja o retrato de Michelangelo de Lilith no teto da Capela Sistina em uma pintura chamada “A Tentação de Adão e Eva”. Aqui uma serpente fêmea é mostrada enrolada na Árvore do Conhecimento, que alguns interpretaram como uma representação de Lilith tentando Adão e Eva.

A Bília faz apenas uma referência clara à Lilith, que se encontra em Isaías 34:14 na versão da Bíblia Amplificada.
"As criaturas do deserto vão reunir-se com os chacais E o sátiro chamará a sua espécie; De fato, Lilith (demônio da noite) vai se estabelecer lá E encontrará para si um lugar de descanso."

Lilith nos Manuscritos do Mar Morto

A imagem sombria de Lilith ressurgiu no fim da década de 1940 quando os Manuscritos do Mar Morto foram descobertos em antigas cavernas de Qumran, ao redor do rio Jordão, no que hoje é a Cisjordânia. Acredita-se que esses escritos datam do século VIII a.C. e incluem manuscritos de considerável significado histórico, religioso e linguístico, todos anteriores à Bíblia e às antigas crenças religiosas do judaísmo. São as histórias que vieram antes das histórias — e Lilith está lá, entrelaçada no texto como uma prostituta sinistra que assombrou o mundo desde o começo dos tempos.

No hino Canção para um Sábio, possivelmente usado para exorcismos, Lilith aparece novamente como um alvo que o Sábio gostaria de destruir. Junto com os "espíritos bastardos, os demônios e aqueles que atacam de repente… e fazem desolar seu coração", Lilith encontra companhia. Mais uma vez, a imagem dela como um sombrio e perigoso demônio sugere muito terror mas sem entrar em muita descrição. Essa caracterização é ecoada na Bíblia (como visto acima) e se torna uma imagem difundida em representações futuras.

Lilith segundo o Zohar

Fora da Bíblia, a fonte mais legítima de Lilith é encontrada em um antigo livro chamado Zohar, o livro do Esplendor, uma obra cabalística do século XIII que constitui o mais influente texto hassídico. Neste texto, as interpretações das escrituras são discutidas, bem como a essência de Deus, a redenção, a natureza das almas e a estrutura do universo. O Zohar fala especificamente para o "verdadeiro eu" e a relação entre a energia de Deus e os humanos, e é um dos volumes mais respeitados no misticismo judaico.

Lilith é mencionada espantosas 27 vezes neste texto. E representações dela apoiam a ideia de que ela foi criada na época de Adão do pó da terra. Ela também é descrita como a esposa inadequada do primeiro homem de Deus e o demônio que habitava o corpo da serpente para tentar a Eva original. Desta forma, a queda do homem não foi apenas o resultado da fraqueza feminina, mas também da perniciosidade da mulher. De acordo com o Zohar, Lilith estava em aliança com Satanás e representava a figura feminina final da maldade, perambulando "à noite, atormentando os filhos dos homens e fazendo com que se corrompessem" e até se disfarçando como a Rainha de Sabá para seduzir o Rei Salomão, mas ele espiou as pernas peludas e reconheceu-a como a impostora bestial que era (então, cuidado com pernas peludas!).

Orgasmos demolidores

Conta-se, por exemplo, que Lilith surpreendia os homens durante o sono e os envolvia com toda sua fúria sexual, aprisionando-os em sua lasciva demoníaca, causando-lhes orgasmos demolidores. Ela montava-lhes sobre o peito e, sufocando-os (pois se vingava por ter sido obrigada a ficar "por baixo" na relação com Adão), conduzia a penetração abrasante. Aqueles que resistiam e não morriam, ficavam exangues e acabavam adoecendo. Por isso Lilith também está identificada com o tradicional vampiro. Seu destino era seduzir os homens, estrangular crianças e espalhar a morte.

Durante os primeiros séculos da era cristã, o mito de Lilith ficou bem estabelecido na comunidade judaica. Lilith aparece no Zohar, e no Talmude, o livro dos hebreus. No Zohar, Lilith é descrita como uma súcubo, com emissões noturnas (ejacular enquanto dorme) citadas como um sinal visível de sua presença. Os espíritos malignos que empesteavam a humanidade eram, acreditava-se, o produto de tais uniões. No Zohar Hadasch (seção Utro, pág. 20), está escrito que Samael — o tentador — junto com sua mulher Lilith, tramou a sedução do primeiro casal humano. Não foi grande o trabalho que Lilith teve para corromper a virtude de Adão, por ela maculada com seu beijo; o belo arcanjo Samael ( também conhecido como Lúcifer) fez o mesmo para desonrar Eva: E essa foi a causa da mortalidade humana. O Talmude menciona que "Quando a serpente envolveu-se com Eva, atirou-lhe a mácula cuja infecção foi transmitida a todos os seus descendentes… (Shabbath, fol. 146, recto)". Em outras partes, o demônio masculino leva o nome de Leviatã, e o feminino chama-se Heva. Essa Heva, ou Eva, teria representado o papel da esposa de Adão no Éden durante muito tempo, antes que o Senhor retirasse do flanco de Adão a verdadeira Eva (primitivamente chamada de Aixha, depois de Hecah ou Chavah). Das relações entre Adão e a Heva-serpente, teriam nascido legiões de larvas, de súcubos e de espíritos semiconscientes (elementares).

Surgimento de Leviatã

Os rabinos fazem de Leviatã uma espécie de ser andrógino infernal, cuja a encarnação macho (Samael) é a "serpente insinuante" e a encarnação fêmea (Lilith), é a "cobra tortuosa". Segundo o Sêfer Emmeck-Ameleh, esses dois seres serão aniquilados no fim dos tempos: "Nos tempos que virão o Altíssimo (bendito seja!) decapitará o ímpio Samael, pois está escrito (Is. XVII, 1): 'Nesse tempo Jeová com sua espada terrível visitará Leviatã, a serpente insinuante que é Samael e Leviatã, a cobra tortuosa que é Lilith' (fol. 130, col. 1, cap.XI)." Também segundo os rabinos, Lilith não é a única esposa de Samael; dão o nome de três outras: Aggarath, Nahemah e Mochlath. Mas das quatro demônias, só Lilith dividirá com o esposo a terrível punição, por tê-lo ajudado a seduzir Adão e Eva. Aggarath e Mochlath tem apenas um papel apagado, ao contrário do que acontece com as outras duas irmãs, Nahemah e Lilith.

Lilith no Talmude Babilônico e no Midrash

Lilith é mencionada quatro vezes no Talmude Babilônico, embora em cada um desses casos ela não seja referida como a esposa de Adão. Em Niddah 24b discute-a em relação a fetos anormais e impurezas, dizendo: “Se um aborto teve a semelhança de Lilith, sua mãe está impura em razão do nascimento, pois é uma criança, mas tem asas.” Aqui aprendemos que os rabinos acreditavam que Lilith tinha asas e que ela poderia influenciar o resultado de uma gravidez.

Shabbat 151b também discute Lilith, advertindo que um homem não deveria dormir sozinho em uma casa pois Lilith poderia cair sobre ele durante o sono. De acordo com este e outros textos, Lilith é uma súcubo não muito diferente dos demônios lillu, assim como mencionado acima. Os rabinos acreditavam que ela era responsável pelas emissões noturnas enquanto um homem dormia e que Lilith usava o sêmen coletado para dar à luz centenas de bebês demoníacos. Lilith também aparece em Bava Batra 73a-b, onde um avistamento de seu filho é descrito, e em Erubin 100b, onde os rabinos discutem o cabelo longo de Lilith em relação a Eva.

Vislumbres da eventual associação de Lilith com a "Primeira Eva" podem ser vistos em Gênesis Rabá 18:4, uma coleção de midrashim sobre o livro de Gênesis. Aqui os rabinos descrevem a "primeira Eva" como um "sino de ouro" que os incomoda durante a noite.

'Um sino de ouro'… é ela quem me incomodou a noite toda… Por que nem todos os outros sonhos esgotam um homem, mas isso [um sonho sobre sexo] exaure um homem. Porque desde o começo de sua criação, ela estava apenas em um sonho.

Se Lilith foi a primeira mulher de Adão, um súcubo, a rainha dos demônios ou um simbolo de empoderamento feminino, isso vai depender apenas da interpretação de cada um. 

O que realmente eu sei é que ela sempre figura nas minhas crônicas de Vampiro A Máscara.

 

Referências:

1 Kvam, Krisen E. et al. "Eva e Adão: leituras judaicas, cristãs e muçulmanas sobre Gênesis e Gênero." Indiana University Press: Bloomington, 1999.

2 Baskin, Judith. "Mulheres midrasicas: formações do feminino na literatura rabínica". University Press of New England: Hanover, 2002.

3 Heschel, Susan et al. “Em ser uma feminista judia: um leitor.” Schocken Books: New York, 1983. 

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Andre Sousa

André Sousa, Cearense, 31 anos, pseudo intelectual de rede social, inteligentemente gaiato e consumidor moderado de drogas lícitas.